Entenda por que esquentou o debate entre economistas
Entenda
por que esquentou o debate entre economistas
Embora
no Brasil esteja fortemente ideologizada, a discórdia entre economistas
liberais e desenvolvimentistas é fenômeno antigo e global
Pedro
Cafardo
Uma
consequência natural da volta da esquerda ao governo brasileiro foi a retomada
da discussão teórica sobre a forma pela qual o país deve buscar o
desenvolvimento. Nas últimas décadas, o debate foi praticamente abandonado pela
mídia - não pela academia -, sob a domínio arrasador de ideias liberais.
Não
se trata, é claro, de uma discussão unicamente brasileira. Embora no Brasil ela
esteja fortemente ideologizada, a discórdia entre economistas liberais e
desenvolvimentistas é um fenômeno antigo e global, inerente ao capitalismo.
Trata-se, em poucas palavras, de responder a uma pergunta elementar: por que
alguns países ficam ricos e outros não?
Para
os liberais, o caminho para a riqueza são as estratégias de “laissez-faire”
doméstico e livre comercio internacional, com mínima intervenção do Estado. Por
isso, ao governar, promovem desestatizações e redução radical do tamanho do
Estado. Aceitam um grau mínimo de intervenção estatal, para corrigir falhas de mercado,
com a justificativa de que as falhas de governo sempre são mais perigosas que
as de mercado.
Para
os desenvolvimentistas, é indispensável a intervenção ativa do Estado no
processo que vai tornar os países ricos. Eles apresentam argumentos teóricos e
empíricos, mas também evidências históricas para justificar a intervenção. Com
as peculiares exceções de Hong Kong e Suíça, não há outro caso, inclusive a
Inglaterra em sua revolução industrial, de país que tenha alcançado o status de
desenvolvido sem a adoção de políticas industriais, subsídios e outros
mecanismos de proteção do Estado.
Essa discussão teórica começa voltar à mídia
tradicional e já está acesa nas redes sociais. A Editora Contracorrente pôs à
venda o livro “Desenvolvimento e Estagnação - O debate entre
desenvolvimentistas e liberais neoclássicos”, do professor de economia da UFF
André Nassif. Em trabalho robusto, o economista procura ampliar e organizar
esse debate teórico entre as duas correntes. A ideia do livro é apresentar um
texto cujo entendimento não fique restrito a economistas e estudantes de
economia, sendo acessível a todos os interessados no tema.
Essa
discussão teórica não é trivial, porque o bem-estar das novas gerações de
brasileiros depende do sucesso das estratégias econômicas escolhidas. Nassif se
declara desenvolvimentista e considera que, no mundo periférico (não
desenvolvido), o Brasil é um exemplo onde se registram, de forma bastante
clara, duas fases distintas. A primeira, entre 1950 e 1980, em que políticas
econômicas foram fortemente influenciadas pelos desenvolvimentistas. A segunda,
de 1990 até agora, marcada pelo domínio das ideias liberais. De 1950 a 1980, o
Brasil seguiu trajetória relativamente sustentada de crescimento econômico e,
desde 1980 até agora, não conseguiu se livrar da estagnação. “Isso não foi por
mero acaso”, escreve o economista.
O
pensamento desenvolvimentista sustenta que as políticas industriais precisam
voltar a ser planejadas no Brasil, a exemplo do que ocorre no mundo
desenvolvido, onde as ideias liberais perderam espaço na pós-pandemia. Nos EUA,
programas governamentais de estímulo industrial já envolvem trilhões de dólares
e vão mobilizar setores inovadores, principalmente na área de tecnologia. Na
Franca, na Alemanha e em toda a Europa, também já há programas explícitos de
industrialização aproveitando a “janela” gerada pelas novas tecnologias e pela
premência das transformações para uma indústria de baixo carbono.
Por
que, no Brasil, os economistas liberais continuam radicalmente contra a adoção
de políticas industriais? Para responder, Nassif cita uma frase da
ex-primeira-ministra do Reino Unido Margaret Thatcher, que nos anos 1980 foi
grande estimuladora da virada global para o neoliberalismo, juntamente com o
então presidente dos EUA Ronald Reagan. “Meu objetivo não é mudar a ideia das
pessoas, é mudar a alma” - teria dito Thatcher. Em entrevista a Mario Vitor
Santos, Nassif deu seu veredito: a ideologia liberal estaria encrustada na alma
dos economistas brasileiros, que ele chama de “liberais neoclássicos”,
treinados em universidades americanas. Eles seriam mais liberais do que os
“sofisticados liberais” dos EUA, como Anne Kruger, Dani Rodrik, Paul Krugman e
Joseph Stiglitz.
A
política desenvolvimentista brasileira de 1950 a 1980, mesmo com erros, deu
resultado e o país cresceu acima da média mundial. Por que, então, fracassaram
as novas tentativas nos governos Lula e Dilma? Os próprios liberais observam
que o fracasso se deu mais por falhas na governança e apropriação de políticas
por grupos de interesse do que por inconsistência teórica. Nassif admite o
fracasso, mas tem outra explicação: as políticas públicas não foram pensadas de
forma integrada e ficaram desconectadas do regime macroeconômico.
“Se
você tem um regime macroeconômico que mantém as taxas de juros, bases do custo
de capital, tendencialmente elevados e se você tem taxas de câmbio
tendencialmente valorizadas, esquece, não haverá desenvolvimento”, diz Nassif.
Juros e câmbio são os dois preços macroeconômicos mais importantes para a
tomada de decisão do empresário de investir e tirar a economia da estagnação.
Na
defesa de sua tese, Nassif argumenta, no livro, que a corrente
desenvolvimentista não se restringe à sustentação do crescimento econômico.
Envolve também profundas mudanças estruturais, especialmente o aumento da
participação dos segmentos tecnologicamente mais sofisticados no PIB,
aprimoramento da infraestrutura física e humana (educação, saúde, cultura,
lazer), redução da desigualdade social e garantia dos direitos de cidadania.
Cita Amartya Sen para dizer que o desenvolvimento envolve direitos que
transcendem o campo da economia, como o exercício pleno da liberdade. Para
isso, é necessário que se removam “a pobreza, a tirania, a carência de
oportunidades econômicas, a destituição social sistemática, a negligência dos
serviços públicos e a intolerância ou interferência excessiva de Estados
repressivos”.
“Infelizmente,
esses problemas estão longe de ser resolvidos no Brasil”, lamenta o economista.
Pedro Cafardo é ex-editor-executivo
do Valor e integrou a equipe que fundou o jornal. Foi editor-chefe de "O
Estado de S. Paulo" e editor de Economia em várias publicações