Taxa de câmbio, crescimento e inflação: o problema do dólar alto numa economia em crise

Hoje, em matéria de capa, o jornal Valor Econômico anunciava: "Dólar alto amplia custo de empresas, e inflação maior já é esperada". Sobre a taxa de câmbio, o que parece que vemos é:
1) a taxa de câmbio R$/US$ no Brasil está em overshooting (real excessivamente desvalorizado em relação ao dólar em termos reais) desde o ano passado;
2) Os estruturalistas-desenvolvimentistas somos claramente favoráveis a uma taxa de câmbio ligeiramente alta (real um pouquinho desvalorizado), mas não em overshooting (tão alta). Por uma razão simples: real valorizado (taxa de cãmbio muito baixa) reduz o crescimento econômico e a taxa de crescimento da produtividade média da economia, mas excessiva desvalorização causa inflação! Então, a desvalorização deve se manter estreita, ou seja, a taxa de câmbio nominal deve flutuar um pouquinho acima da taxa de equilí­brio real de longo prazo.
3) Estimativas que fizemos (Carmem Feijó, Eliane Cristina Araújo e eu, em capítulo de livro a ser publicado, "Política cambial e taxa de câmbio real no Brasil", já apresentado em congressos recentemente) mostram que a taxa de câmbio real de equilíbrio indicaria câmbio em torno de R$3,70/US$, e uma taxa "ótima" (similar à  de "equilí­brio industrial"), portanto, ligeiramente subvalorizada, em torno de R$3,80 para maio de 2020. A taxa de câmbio média anual em 2019 havia sido de cerca de R$3,90/US$.
4) Quando (vai demorar bastante dessa vez) a situação se estabilizar, a taxa de cÂmbio certamente recuará para a faixa de entre R$4,20 e R$4,50/US$.
5) A deterioração de expectativas no pós-pandemia fez a taxa de câmbio disparar. Deterioração de expectativas e aumento de risco, mas não por causa de risco fiscal (como querem os ortodoxos), mas por causa de um governo sem rumo na polí­tica econômica.
6) Que continuará havendo pressão inflacionária, não tenho dúvida, mas espero que o Banco Central não se açode, e não aumente as taxas de juros agora. Aumento de juros agora numa situação de hiato do produto (negativo) gigantesco e desemprego crônico seria um tiro no pé (além de deteriorar os resultados fiscais).
7) Até porque o impacto do câmbio muito depreciado gera inflação de custos, e juros mais altos não parecem ser o instrumento mais adequado para combater esse tipo de inflação, ainda mais num contexto praticamente recessivo.
Apertemos os cintos, porque a situação vai piorar!