A longa estagnação da economia brasileira - André Roncáglia comenta o livro de André Nassif
A longa estagnação da economia brasileira, Folha de São Paulo, 27/07/2023
O agro pode até ser pop, mas a indústria é top
O Brasil foi a economia que
mais cresceu no mundo entre 1950 e 1980. Nessa era desenvolvimentista, o Estado
direcionou nossa sofisticação produtiva, enquanto reformavam-se os sistemas
tributário, monetário e creditício e as relações do trabalho.
Forças progressistas, como Getúlio
Vargas, Juscelino
Kubitschek e Jango, e
conservadoras, como a ditadura militar, adotaram o planejamento como ferramenta
para superar o subdesenvolvimento: uma economia dual em que setores produtivos coexistem
com atrasados e subordinada comercial e tecnologicamente aos países
industrializados.
A estratégia de substituir importações diversificou nossa matriz produtiva,
mas não eliminou nossa vulnerabilidade externa. Afinal, vastos projetos de
infraestrutura, financiados em dólar, não geravam exportações capazes de pagar
os empréstimos estrangeiros. Quando o segundo choque do petróleo nos visitou,
em 1979, a fragilidade externa se converteu em crise cambial.
A crise da dívida externa, a partir de 1982, sepultou a era
desenvolvimentista. A exclusão da América
Latina do mercado internacional de crédito colocou a região numa rota de
estagnação, hiperinflação e recorrentes crises cambiais. Desde então, o Brasil
tenta repetir, sem sucesso, os resultados da era desenvolvimentista se apoiando
na abertura comercial e financeira (anos 1990), em políticas sociais combinadas
com densos pacotes de estímulos setoriais (anos 2000 até 2014) e, finalmente,
no deliberado desmonte do Estado, na precarização do emprego e na
especialização regressiva e ambientalmente predatória (governos Temer e Bolsonaro).
Na raiz desse insucesso está a ausência de um sistema nacional integrado de
inovação. As iniciativas isoladas bem-sucedidas como a Embraer, a Embrapa, a
Petrobras e o BNDES, dentre outras, não foram suficientes para o país manter
sua posição no concerto das nações. Esse "miolo ausente" da inovação
se associa a um arranjo de política econômica anti-indústria que prende o país
ao curto-prazismo agrofinanceiro.
Entender a dinâmica do desenvolvimento não é trivial. Nesse sentido, o livro
"Desenvolvimento e Estagnação: O Debate entre Desenvolvimentistas e
Liberais Neoclássicos", de André Nassif (editora Contracorrente), é uma
excelente contribuição ao debate público nacional. Nassif apresenta uma leitura
teórica atualizada, detalhando o choque das escolas de pensamento sobre o tema
da longa estagnação brasileira. Nassif consegue manter o rigor analítico sem
carregar no economês, tornando o texto acessível ao público não especializado.
A visão neoliberal, que domina o debate no Brasil, defende (sem evidências)
que o agronegócio nos legará o desenvolvimento, pela graça do livre-comércio e
dos fluxos de capital estrangeiro; basta fazermos a nossa "lição de
casa" (ajuste fiscal e reformas liberalizantes). Os voos de galinha dos
anos 1990 e a estagnação durante Temer-Bolsonaro desautorizam essa
recomendação.
Em contraste, Nassif faz uma defesa fundamentada, teórica e historicamente,
da reindustrialização como caminho para o desenvolvimento.
Nassif defende políticas setoriais de sofisticação produtiva, mas aponta que
seu sucesso depende da sintonia do regime macroeconômico numa frequência
pró-indústria. Em linha com a escola novo-desenvolvimentista de
Bresser-Pereira, isso implica, pelo menos, taxa de juros real baixa e taxa de
câmbio real competitiva.
Vale destacar, por fim, que "indústria" é uma forma específica de
produzir, que autonomiza a inovação tecnológica, gerando melhores empregos e
elevando a competitividade internacional das economias. Esse conceito
atualizado inclui o próprio agronegócio e os serviços, tais como automação
bancária, robótica, inteligência
artificial, big data e internet das coisas, dentre outras.
Em suma: não há desenvolvimento sem indústria. O
agro pode até ser pop, mas a indústria é top.